POR QUÊ FALAR EM SAÚDE EMOCIONAL DO ARTISTA –
Prazer e Poder
Foto: André Vidigal
“O prazer na?o e? o fim.
O prazer esta? no caminho.
E so? assim o caminho estara? aberto…”
Escolher ser artista geralmente acontece pela via do desejo e do prazer. E? difi?cil imaginar, pore?m, que o caminho tambe?m passe por tantas angu?stias.
No cena?rio contempora?neo, o artista convive com grandes dificuldades: desde as condic?o?es de trabalho e novas demandas diante do novo cena?rio influenciado pela tecnologia, ate? outras, mais profundas, relacionadas a conflitos emocionais, e como estes repercutem no processo criativo e de construc?a?o a cada novo trabalho que se inicia.
Mesmo sabendo do poder imenso de transcende?ncia da arte, levantar discussa?o a respeito da rigidez que limita a pessoa para o prazer e a criatividade, bem como das condic?o?es emocionais para seu ofi?cio, faz-se necessa?rio diante de uma sociedade ta?o ri?gida e imersa em idealizac?o?es.
A criatividade é uma função psíquica natural, com papel estruturante ao ser humano, e que na sua expressão move o organismo em direção à saúde. É possível afirmar que o prazer é a força motriz para a criatividade, e a criatividade é a fonte do prazer, num movimento em que um realimenta o outro.
O artista é então aquele que faz desse processo seu ofício, e em sua própria lida diária, necessita estar constantemente se reinventando. O que tem sido observado, porém, é que ele, como qualquer ser humano, lida com as dificuldades advindas da realidade externa e interna para seu processo criativo acontecer.
Quando seu ofício é construído pela via do prazer, através de sua própria tarefa e trabalho, ele entra em contato com conteúdos emocionais pessoais, podendo expressá-los, e seu corpo automaticamente se autorregula, fazendo movimentar a energia numa experiência de qualidade quase mística, chamada por Lowen (1970) de “experiência culminante”. Porém, quando isto não acontece, é muito comum ver sua saúde emocional abalada, quando não em risco, e as consequências podem ser desastrosas.
Durante muito tempo, eu mesma enquanto artista em início de carreira, vivi alguns destes momentos incríveis de profundo prazer e amor, e me perguntei tantas vezes, “Como experimentar isso de novo?”. Percebi também que as angústias provenientes do trabalho sem prazer, independente da causa interna ou externa, eram comuns aos meus colegas artistas.
Notando então ser o palco e a psicoterapia possibilidades de espaços terapêuticos de expressão e transformação constantes, vi como necessária a promoção da reflexão sobre a situação da saúde emocional do artista. Esta pesquisa é fruto do meu trabalho na especialização em Psicologia Corporal, e estarei trazendo também outros temas relacionados nos próximos artigos.
Da principal constatação que surgiu, percebeu-se ser fundamental conscientizar da necessidade da tarefa mais difícil: o olhar para si mesmo.
Sem dúvida, olhar para si mesmo é o exercício mais difícil de todos. O medo e a angústia são naturais, pois aparecem no instante em que se faz contato com aquilo que há de mais sombrio e recalcado, aqueles afetos com os quais não queremos nos deparar, e que estão ameaçando aparecer.
Mas é justamente no encontro com estes conteúdos ora inconscientes, que estavam submetidos à pressão das defesas do Ego, que irá se abrir escuta para esta dor. Este caminho do “olhar para si” e nossos afetos é, portanto, o que permite desidentificar-se deles, para então acolhê-los e integrá-los.
E então, ‘como’ fazer isso?.
Pois bem, não há um método único, não há fórmulas prontas. Este caminho é de absoluta vivência pessoal, e somente possível através deste contato com próprio mundo interno. Do que posso afirmar no momento, e por experiência própria, pode-se dar em Psicoterapia, através da Espiritualidade e também através da Arte.
Ora, é tão contraditório que o artista – aquele que tem em seu ofício a oportunidade da sublimação – esteja também tão adoecido…
Merecido ponto de reflexão… Mas por quê não estaria? Qual o grau de idealização que temos sobre esta figura, a qual se torna às vezes quase que semelhante à um herói, ou um Deus, incapaz de cometer erros, de adoecer, e de sofrer?
O artista contemporâneo, assim como toda a sociedade, está também imerso em uma sociedade imediatista, competitiva, voltada ao individual e ao racional. Como disse Lowen (1970), vivemos em um tempo de valores antitéticos à vida, que nos conduzem a um enrijecimento tal na vivência do prazer, e, consequentemente, da criatividade.
Me faz pensar ainda que, a lida do artista em sua carreira com a imagem (muitas vezes do estrelato, ou do desejo do estrelato) é outro ponto de ameaça à sua saúde emocional – quando este profissional não está se apropriando de sua essência, em contato consigo mesmo, em processo de autoconhecimento.
É comum notar o ser humano em busca do sucesso a qualquer preço, e, ainda, em tempos de “Era da Imagem”, é fácil tornar sua própria aparência a construção do que seria o ideal ao que o mundo quer ver. Quando acerta – ou seja, atinge diretamente e eficientemente o sonho de quem acredita nesta imagem – aparecem os aplausos, que inflam o Ego, e trazem a sensação de poder diante do Outro.
Tal imagem, porém, se não está integrada ao corpo, se está distante de sua essência, faz com que o artista viva através de uma ‘persona’, fortalecendo a rigidez e narcisismo. Ou ainda, dependendo de sua estrutura emocional, ao longo do tempo pode conduzir a uma dissociação capaz de arruinar o próprio trabalho, entre consequências mais graves, como levá-lo à depressão, dependência química ou mesmo ao suicídio.
Desse modo, se os sentimentos do indivíduo estão reprimidos, seu comportamento será o reflexo de idéias que foram projetadas, de uma `persona´ construída obcecada por poder, e não a expressão do seu verdadeiro self.
O poder se desenvolve através do represamento e do controle, e uma vez que na contemporaneidade, a falta de poder está associada à ausência de prazer, tem-se a idéia de que o prazer só passa a ser obtido através do poder.
Diante de todo o contexto atual, portanto, parece estar sendo fácil confundir prazer com poder. Muitas vezes a determinação em ter sucesso está mais baseada no medo do fracasso do que na própria recompensa que irá obter pela luta para chegar lá.
Nesse caso, portanto, não há prazer. A falta de autopercepção do indivíduo, gera imagens distorcidas sobre si e a realidade, ansiedade, medo da entrega, e estados dolorosos decorrentes das pressões narcísicas do Ego.
Para Lowen (1970), a ansiedade decorre entre o desejo de se entregar e o medo da entrega. O conflito irá surgir sempre que o prazer é suficientemente forte para ameaçar sua rigidez. Quando o fluxo se torna mais intenso do que a capacidade do corpo suportar, existe o risco da desintegração, e o medo do prazer aparece. Quando isso acontece, o ser humano restringe a sua capacidade de amar.
Por fim, reafirmo que quanto mais o artista olhar para si, será possível a vivência do prazer e do amor – o que repercute de forma direta no processo criativo deste e em sua vida pessoal, a fim da experiência artística e na vida serem transcendentes.
O caminho que oportuniza este encontro – comigo mesma, com o outro e com o mundo – me faz todos os dias artista e psicoterapeuta. Estes dois espaços na minha vida me ajudam a abrir meu coração para o prazer e para o amor, a fim da minha experiência artística e na vida serem transcendentes.
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